Selo Unale
Audiência cobra do poder executivo implementação da lei que busca dignidade menstrual

11/05/2022

Levantar discussões acerca da efetivação da Lei nº 10.947/2021, responsável por instituir as diretrizes para a política pública “Menstruação sem tabu”. Esse foi o objetivo da audiência pública promovida, nesta quarta-feira (11), na Assembleia Legislativa, sob o tema “Pobreza menstrual no RN: desafios e conquistas”. Proposto pelo deputado Kelps Lima (SDD) e presidido por Cristiane Dantas (SDD), o debate pretendeu ainda buscar respostas acerca da efetividade da legislação pelo Governo do Estado.

“Infelizmente, é preciso entender que ter acesso ao absorvente é um privilégio. Isso porque cerca de 4 milhões de jovens brasileiras não têm acesso a itens de higiene básica nas escolas, quando estão no período menstrual. Esse dado é do Fundo de Populações nas Nações Unidas e da Unicef e mostra que 1 a cada 4 meninas faltam às aulas por não ter acesso ao item. Então, sem absorventes, muitas garotas e mulheres improvisam, utilizando papel higiênico, papelão, algodão ou pedaço de pano, o que pode afetar sua saúde, com risco de infecções”, iniciou a parlamentar, complementando que “por isso é necessário fazer esse debate público. Esse assunto não pode ser tratado como tabu”.

Em seguida, Cristiane parabenizou as integrantes do movimento “Girl Up Natal”, clube ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) e formado por jovens politizadas que inspiram outras meninas a levantarem a pauta feminista e a lutarem contra a desigualdade de gênero.

“Através da mobilização local e nacional de vocês é que foram dados os primeiros passos para a concretização de uma política pública para esse fim. Vocês começaram pela arrecadação de absorventes para doação a mulheres em situação de rua e vulnerabilidade social, durante a pandemia, mas também observaram que o Estado precisava assumir seu papel constitucional de norteador e executor das medidas em prol da população. Foi assim que nasceu a provocação junto à Assembleia Legislativa do RN, para a edição de uma lei que colocasse a dignidade menstrual como prioridade”, contou a parlamentar.

Ainda de acordo com a deputada, foi assim que o deputado Kelps Lima se tornou propositor - e ela, co-autora - do projeto que em 5 de julho de 2021 se transformou na Lei Nº 10.947/2021, que institui diretrizes para a política pública “Menstruação sem tabu”. Segundo Cristiane Dantas, a lei visa garantir a distribuição de absorventes para mulheres mais pobres e/ou em situação de vulnerabilidade no RN, tornando-o um item essencial na saúde feminina, além de determinar incentivos para sua distribuição gratuita nas escolas da rede estadual de ensino. “A legislação também pontua a necessidade de se fazer trabalhos de conscientização acerca da menstruação”, explicou.

“Do ponto de vista do tema colocado no debate, uma grande conquista foi a sanção da lei estadual. Por outro lado, o nosso grande desafio é tê-la implementada. Mesmo o Governo do Estado tendo publicado, em novembro do ano passado, o decreto que regulamenta a execução da lei, o programa ‘Dignidade Menstrual’ ainda não foi iniciado, e não há qualquer sinalização oficial de quando isso vai ocorrer. Então, precisamos de respostas do Poder Executivo, especialmente no que diz respeito à distribuição de absorventes nas escolas”, cobrou a parlamentar.

Iniciando os discursos da Mesa, a representante do “Girl Up Brasil”, Helena Branco, de 19 anos, destacou que as meninas do “Girl Up Natal” foram grandes protagonistas nesse movimento contra a pobreza menstrual no Brasil.

“Há dois anos nem se falava sobre isso aqui, e graças a elas a gente está podendo falar a respeito e entendendo que menstruação é uma questão que passa por políticas públicas e afeta a educação das meninas. Então é um orgulho enorme para mim estar aqui com vocês, que são uma verdadeira inspiração para muitas outras meninas”, frisou.

Helena continuou sua fala, contando como tudo começou. “Em abril de 2020, no início da quarentena, as meninas do Girl Up Brasil perceberam que a maioria das cestas básicas não contava com absorventes. Uma líder de Salvador descobriu que ele não era considerado item essencial, e aí a gente pensou ‘como as pessoas vão conseguir menstruar com saúde, durante a pandemia, sem acesso a um item tão básico, como o absorvente?”, contou.

De acordo com a ativista, hoje, pelo menos 30% das pessoas menstruam, no Brasil; e 50% já menstruaram em algum momento da vida. “Então esse é um tema bastante relevante para toda a sociedade. Vocês já imaginaram o que é menstruar sem acesso a água, saneamento básico e sem absorvente?

A menstruação pode se transformar numa verdadeira violação de Direitos Humanos, e infelizmente ainda é mantida em silêncio”, lamentou. Ainda segundo Helena Branco, dados revelam que cerca de 200 mil meninas no Brasil estudam em escolas que não possuem nenhum item de higiene básico, como pia para lavar as mãos, vaso sanitário para usar ou papel higiênico.

“A pobreza menstrual também passa pela questão do saneamento básico e pela educação menstrual, de você conhecer seu corpo e simplesmente saber que você é fértil. Além disso, é preciso que haja mais dados no País. As primeiras pesquisas sobre isso aconteceram apenas no ano passado. Uma é da Unicef e a outra foi nossa, do Girl Up Brasil”, afirmou.

Por fim, Helena falou sobre o tamanho e a distribuição do movimento do qual faz parte. “Para que vocês tenham uma noção, o Girl Up Brasil tem cerca de 200 clubes, em 20 estados. E hoje nós temos mais de 40 legislações municipais, nas 5 regiões brasileiras, além de 9 estaduais. Todas originadas de meninas do Girl Up batendo na porta dos legisladores. E essa audiência é a representação de que isso está acontecendo. E nós não queremos só aprovar leis, queremos efetivar as políticas públicas advindas dessas legislações”, concluiu.

Na sequência, a coordenadora de Relações Públicas do Girl Up Natal, Maria Isabela Cardoso, externou sua felicidade e orgulho pelo caminho percorrido e pelas conquistas do movimento social. “Nós estamos aqui não só para pressionar, mas para falar de algo que nunca aconteceu antes, que é o fato de que jovens, de 14 a 22 anos, estão à frente de políticas públicas. Eu nunca vi isso em nenhum lugar do Brasil. E eu acho que essa é a maior conquista: meninas ainda estudantes, dentro de um Plenário, por liderarem uma política pública”, celebrou.

Maria Isabela informou que, desde 2020, o Girl Up já arrecadou mais de 7 mil unidades de absorventes. “Hoje nós nem precisamos mais fazer campanhas de divulgação, porque recebemos as doações de forma muito espontânea, vindas dos mais diversos setores da sociedade. Além disso, nós também vamos em escolas e universidades para falar sobre a pobreza menstrual. E esse é um grande desafio pra gente: levar essa pauta para locais em que não se fala disso, e conseguir se fazer entender da melhor maneira”, revelou, enfatizando que não apenas as meninas de baixa renda sofrem de pobreza menstrual, mas também as que possuem poder aquisitivo, mas não conhecem seu próprio corpo.

Finalizando seu pronunciamento, a coordenadora falou que as políticas públicas são consideradas uma conquista de longo prazo. “Eu aprendi que as políticas públicas não são algo linear, elas são uma vitória a longo prazo. A gente não está dando só absorvente para essas meninas. A gente está fornecendo desenvolvimento. E desenvolvimento gera liberdade; não só para menstruar com dignidade, mas para estudar, trabalhar e ter uma vida melhor”, concluiu.

Fundador do Girl Up Natal juntamente com Talita Venâncio, o ativista Vitório da Silva discursou sobre os múltiplos fatores que envolvem a pobreza menstrual, como as questões sociais e do próprio corpo da mulher. “No início de tudo, eu e Talita tínhamos 15 e 18 anos, e nós saíamos explicando o que - e como - as mulheres sofriam pela simples falta de um item de higiene básica, em termos de relações de trabalho, sociais e educacionais. A gente visualizava cotidianamente pessoas perdendo oportunidades, apenas pela ausência do absorvente. Tínhamos exemplos nas nossas famílias, na escola e na comunidade local. E hoje a gente está falando sobre um projeto de lei que já foi aprovado e sancionado e tem tudo para propiciar essa mudança na realidade de toda a população. Isso é uma felicidade imensa para nós”, disse Vitório.

Em seguida, a representante do projeto “Vidas Marias”, Mayara Jacinto, falou sobre sua experiência com o assunto e como transformou isso num programa social.

“Durante minha infância, eu enfrentei muitas dificuldades, e uma delas foi a pobreza menstrual. Eu tinha que chegar cedo na escola para pegar papel higiênico e me proteger. Às vezes eu também utilizava panos velhos. Mas minha vida mudou totalmente quando entrei no IFRN. Lá eu conheci um mundo amplo e cheio de oportunidades. E uma coisa que me chamava muito a atenção era que nos banheiros havia sempre absorventes disponíveis. Mesmo sem entender bem o motivo, eu achava aquela iniciativa incrível e me beneficiava bastante”, relatou.

Mayara contou ainda que, durante a pandemia, começou a pesquisar sobre pobreza menstrual e analisou que no município de Santa Cruz as cestas básicas estavam, sendo entregues sem absorventes.

“E eu lembrei que já tive que escolher entre um prato de comida e um absorvente. Então, pensei em quantas meninas e mulheres recebiam aquelas cestas, mas também não tinham acesso ao item de higiene. E foi assim que eu fundei o ‘Vidas Marias’, que hoje leva absorvente e dignidade a muitas mulheres e garotas em todo o Estado do RN”, destacou.

Ao final da sua fala, Mayara Jacinto enfatizou a relevância da efetivação das políticas públicas relacionadas ao tema. “Como estudante de Políticas Públicas na UFRN, eu vejo o quanto esse projeto de lei aprovado no nosso Estado é importante, para que as nossas garotas tenham dignidade. Mas essa política ainda não foi implementada, e nós estamos aqui hoje para lutar e pedir a sua efetivação pelo governo estadual, para que nossas potiguares possam sonhar”, finalizou.

De forma remota, o deputado Kelps Lima também discursou a respeito do assunto em debate. “Eu não poderia deixar de participar, não apenas por ser o co-autor da lei, mas também porque este é um tema que os homens precisam participar, aprendendo sobre as necessidades das mulheres, que muitas vezes são bem mais específicas”, disse o parlamentar.

Segundo Kelps, sua abordagem não foi só para falar da importância da efetivação da lei aprovada, mas também para externar sua felicidade pelo fato de que um grupo de meninas procurou o Parlamento e, da iniciativa delas, a legislação ter surgido.

“E agora eu espero que o governo estadual possa executá-la da melhor forma possível, no único estado do País governado por uma mulher. E aqui fica a lição para toda a população: existe espaço, sim, para as pessoas que procuram o Legislativo e querem ter suas demandas atendidas”, concluiu Kelps Lima.

Membro da Coletiva Nísia Floresta e presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Natal, Elisângela Duarte falou sobre algumas situações de pobreza que presenciou. “O meu primeiro choque com esse termo foi com as mulheres no cárcere. Lá, antigamente, elas usavam miolo de pão. Eu constatei, pessoalmente, que as mulheres encarceradas perdem muito mais do que a sua liberdade". 

Outra experiência que ela contou foi com relação a um dos projetos da coletiva, chamado “Bolsa de Mulher”. “Esse projeto era voltado à população de rua. Nós entregávamos a elas não só absorventes, mas também desodorantes, pentes de cabelo etc. Eram mulheres que saíam do interior, vinham para cá e acabavam na rua, sem suporte, e que nunca haviam tido contato com desodorantes, imaginem com absorventes”, detalhou.

Já Rayane Andrade, representante da deputada federal Natália Bonavides, discursou sobre a relação do mandato da parlamentar com o Girl Up Brasil. “Essas pautas de hoje têm tudo a ver com a gente, porque os estudos levantados pelo Girl Up nos ajudaram a construir o relatório para a aprovação da legislação federal. Natália estava na Comissão de Educação quando o projeto de lei nacional passou e garantiu que os absorventes fossem distribuídos. E nós utilizamos vocês como referência. Então, é muito bom estar aqui hoje reencontrando todas vocês”, disse.

Continuando os pronunciamentos da Mesa, a advogada e professora da UFRN, Mariana Siqueira, iniciou sua fala explicando que coordena estudos que envolvem Direito, mulheres e equidade de gênero, e fez um panorama histórico sobre as lutas pelas causas femininas no Brasil. “Se a menstruação é algo da nossa fisiologia, se as mulheres são a maioria da sociedade brasileira, se 30% da nossa população menstrua, então por que o tema da dignidade menstrual ficou, por décadas, inviabilizado? Por que não entrou na roda de debates públicos anteriormente?”, questionou, acrescentando que “isso não acontece só com esse tema, mas com diversos direitos das mulheres. Nada nos foi dado espontaneamente. Sempre houve muito esforço, luta e violência, seja moral ou física”, enfatizou a docente.

Segundo a também advogada, as conquistas femininas sempre vieram da articulação conjunta de mulheres.  “Se nós temos aqui, no nosso Estado, uma lei que reconhece a dignidade menstrual, nós temos que comemorar, porque isso é um feito histórico, proveniente da articulação e luta de vocês, garotas da Girl Up. E agora vocês seguem na resistência, querem mais. Agora é o momento de concretizar a lei”, celebrou.

A professora disse ainda que, antes de se deslocar para a audiência, perguntou em que pé andava a compra dos absorventes pelo governo estadual. “E a resposta que recebi foi que o processo de licitação já foi iniciado. Isso é ótimo, mas temos que lembrar que o absorvente é só um pedaço do extenso caminho para a dignidade menstrual; e que a dignidade menstrual é apenas um pedaço do longo caminho para a equidade de gênero”, concluiu.

Em seguida, a presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica,  Sama Martins, falou sobre as meninas que são abandonadas pelas famílias e vivem em Casas de Acolhimento. “Hoje nós contamos com 28 adolescentes acolhidas em instituições no RN. Temos três casas - uma delas acolhe garotas de 7 a 14 anos - e é sobre essas que eu quero falar com vocês. Essas meninas estão à mercê do Estado, que é o seu tutor legal. Elas não têm mãe, não recebem orientação sobre menstruação. E hoje, coincidentemente, eu me deparei com uma situação dessa no escritório, porque uma das garotas menstruou. Então, eu logo pensei: ‘e agora? cadê o absorvente?", contou.

Segundo a presidente, dignidade menstrual é algo do qual se tenta falar, mas ainda existe muito tabu envolvido. “Eu passei por isso recentemente com a minha própria filha, mesmo eu sendo feminista e ativista. Então existe essa necessidade de acolhimento e sororidade dentro de casa também. E essas meninas que vivem em casas de acolhimento muitas vezes não têm um contato mais próximo que as oriente. Isso é algo que a gente precisa levantar também”, finalizou.

Na sequência, a secretária estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Maria Luiza Tonelli, fez um pronunciamento a respeito dos entraves para a efetivação da lei em questão.

“Em novembro de 2021, a governadora publicou um decreto que instituiu o Programa Dignidade Menstrual, tornando mais abrangente a política de distribuição de absorventes, incluindo também pescadoras artesanais, mulheres ribeirinhas, indígenas, quilombolas, ciganas e comunidades de terreiro, além de alunas matriculadas na rede estadual maiores de 10 anos e participantes do Bolsa Família, e de mulheres e homens trans em privação de liberdade”, afirmou.

De acordo com a secretária, o programa ainda não está sendo executado porque o levantamento feito pela pasta, acerca das pessoas que têm direito ao item, levou um tempo considerável para ser concluído. “E agora, finalmente, nós estamos no processo de compra. Serão mais de 45 mil pessoas atendidas. Nós sabemos que existe muita burocracia, por causa licitação, pesquisa de preço etc. Não é algo rápido, como gostaríamos que fosse. Perguntaram para mim qual é a previsão, mas eu ainda não tenho, porque dependemos do processo licitatório, mas eu tenho esperança de que consigamos distribuir os absorventes no máximo até agosto”, falou a secretária.

Por fim, a presidente do Girl Up Natal, Talita Venâncio, agradeceu a presença da secretária, que representou a governadora no evento. “O maior objetivo dessa audiência era buscar respostas, que estamos aguardando desde 2020. A lei ficou cerca de 10 meses parada na CCJ, aguardando votação. E nós ainda temos diversos obstáculos e desafios até conseguirmos garantir os direitos das pessoas que menstruam no RN. Nós protocolamos o Projeto de Lei em julho de 2020, e somente em julho de 2021 a lei foi sancionada. Agora, estamos em mais uma etapa, em que temos a lei, mas não temos efetividade. Então a gente continua buscando por respostas, porque isso não é só um direito da mulher, é de todos. Se estamos falando de Saúde Pública, é um direito de toda a população”, concluiu.

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